Câmara aprova proibição de voto para presos provisórios, gerando crise constitucional

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A Câmara dos Deputados aprovou, na tarde de terça-feira, 18 de novembro de 2025, uma emenda ao Projeto de Lei Antifacção (PL 5.582/25) que proíbe totalmente o voto de todos os presos — incluindo aqueles ainda em detenção provisória. O resultado: 349 votos a favor, 40 contra e uma abstenção. A mudança, apresentada pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), altera diretamente os artigos 4 e 5 da Lei nº 9.504/1997, cancelando automaticamente os títulos eleitorais de quem está preso, mesmo que ainda não tenha sido condenado. O que parecia ser uma medida técnica contra organizações criminosas virou um terremoto constitucional. Porque, até agora, a Constituição Federal de 1988 garantia o direito de votar a todos, exceto aos que tinham sentença definitiva. Agora, isso muda. E o país inteiro vai sentir o impacto.

Um voto que desafia a Constituição

Até esta semana, a Justiça Eleitoral mantinha um sistema funcional: unidades móveis levavam urnas até cadeias para que presos provisórios pudessem votar. Era um detalhe, quase invisível, mas simbólico. Significava que, mesmo atrás das grades, o cidadão não deixava de ser parte da sociedade. A emenda aprovada não só elimina isso — como o faz de forma retroativa. Ninguém mais poderá se registrar, e os títulos já existentes serão cancelados imediatamente. A justificativa de Van Hattem foi direta: "Preso não pode votar. É um contrassenso, chega a ser ridículo." Mas a lógica por trás disso é mais complexa do que parece. O que ele chamou de "regalia" é, na verdade, um direito previsto na Carta Magna — e que a Suprema Corte já reafirmou em decisões anteriores.

Os dois lados da mesma moeda

Curiosamente, o líder do Lindbergh Farias (PT-RJ), que historicamente defende direitos humanos, votou "sim". Mas não sem avisar: "Vamos votar 'sim' sabendo que é inconstitucional." Ele não escondeu o contexto político. "Parece que o Partido Novo já abandonou Bolsonaro. Agora quer tirar o voto dele. Hoje acontece o seguinte: quem tem trânsito em julgado não vota. Agora, já estão querendo antecipar para a prisão provisória a fim de impedir o voto de Bolsonaro." A observação foi um soco no estômago da Câmara. Jair Bolsonaro, ex-presidente, está sob detenção provisória em um inquérito separado — e a data da votação, apenas dias após a prisão, não foi casual. Ainda que não haja prova direta, o timing é tão evidente que até os mais céticos percebem o alvo.

Outra contradição saltou aos olhos. Farias lembrou que a deputada Carla Zambelli (PP-SP) continua exercendo seu mandato mesmo presa na Itália — sem qualquer medida de cassação. "Só quero chamar a atenção da Casa", disse. "Se estamos falando de direitos políticos, temos uma deputada federal exercendo mandato presa na Itália. No mínimo, ela tinha de ser cassada imediatamente." O silêncio que se seguiu foi mais falante do que qualquer discurso.

O papel do relator e a rejeição do governo

O papel do relator e a rejeição do governo

O relator da proposta, Guilherme Derrite (PP-SP), não participou das negociações prévias com o governo. "O governo em nenhum momento quis debater o texto tecnicamente e preferiu nos atacar", explicou. Ele havia recebido um projeto do Executivo que considerou "fraco" — e o reformulou completamente. O novo texto aumenta penas, permite apreensão antecipada de bens e, agora, inclui a proibição do voto. O governo, que defendia o texto original, foi derrotado por 370 a 110. A maioria da Câmara preferiu a versão mais dura. Mas isso não torna a emenda legal. Apenas política.

O que vem a seguir: o Senado e a Suprema Corte

Agora, o projeto vai para o Senado Federal. Lá, passará pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) — e será votado em plenário. Mesmo que aprovado lá, a expectativa é de que seja imediatamente questionado no Supremo Tribunal Federal. A Constituição é clara: só quem tem sentença transitada em julgado perde o direito ao voto. Nenhum outro critério pode ser adicionado por lei ordinária. Especialistas do O TEMPO já afirmaram: "Essa emenda é inválida por natureza. Não é uma questão de interpretação — é uma violação direta da Carta Magna."

Se aprovada, a lei exigirá que a Justiça Eleitoral cancele os títulos de pelo menos 150 mil presos provisórios em todo o país — uma operação logística e jurídica sem precedentes. E, mais importante: abrirá espaço para um novo tipo de disputa política. Não mais só entre partidos, mas entre o Poder Legislativo e a própria Constituição.

Por que isso importa para você

Por que isso importa para você

Isso não é só sobre presos. É sobre quem decide o que é constitucional. Se o Congresso pode, por maioria, ignorar a Constituição, então qualquer direito pode ser revogado. O voto é o mais básico deles. E se ele pode ser retirado de alguém só porque está preso — mesmo sem condenação —, então o que impede que isso aconteça com manifestantes, jornalistas, ou líderes políticos? A história já mostrou que quando se começa a cortar direitos por "exceções", as exceções viram regra.

Frequently Asked Questions

Por que a Constituição permite o voto de presos provisórios?

A Constituição de 1988, em seu artigo 15, só proíbe o voto para quem tem sentença definitiva (trânsito em julgado). Presos provisórios ainda têm direito à presunção de inocência — um pilar do Estado Democrático. A Justiça Eleitoral sempre respeitou isso, garantindo o voto mesmo em cadeias, com urnas móveis. A emenda aprovada na Câmara viola esse princípio ao antecipar a punição eleitoral antes mesmo da condenação.

Quem será afetado diretamente por essa mudança?

Cerca de 150 mil pessoas atualmente em detenção provisória no Brasil perderão automaticamente seus títulos eleitorais. Isso inclui pessoas acusadas de crimes menores, como furto ou porte de droga, que ainda não foram julgadas. A maioria é pobre, negra e mora em periferias. A medida não atinge apenas líderes políticos — atinge os mais vulneráveis, que já têm pouca representação.

O que acontece se o Senado aprovar a emenda?

A lei entrará em vigor após sanção presidencial, mas será imediatamente contestada no Supremo Tribunal Federal. Ações de declaração de inconstitucionalidade já estão sendo preparadas por entidades como a OAB e o Ministério Público Eleitoral. O TSE, por sua vez, não poderá implementar a medida sem risco de sanção por descumprimento da Constituição.

Há precedentes de mudanças assim no Brasil?

Nunca. Em 2003, o STF reafirmou que o voto é um direito fundamental, e que a prisão provisória não pode ser usada como punição política. Em 2017, o TSE rejeitou proposta semelhante por 5 a 2. A tentativa de 2025 é a mais agressiva até hoje — e a única que busca eliminar direitos antes da condenação. Isso a torna um caso único na história eleitoral brasileira.

O voto de Carla Zambelli na Itália é uma contradição?

Sim, e foi exatamente isso que Lindbergh Farias apontou. Se a regra é que presos não podem exercer mandato, então Zambelli deveria ter sido cassada. Se não foi, então a regra é seletiva — e isso expõe que a emenda tem motivação política, não jurídica. A inconsistência enfraquece ainda mais a legitimidade da proposta.

O que os especialistas dizem sobre o futuro da democracia com essa mudança?

Especialistas em direito constitucional alertam que isso é um precedente perigoso: se o Congresso pode tirar o voto de presos provisórios, poderá, no futuro, restringir o voto de manifestantes, jornalistas ou opositores. A democracia não se sustenta com eleições limpas — mas com direitos protegidos. Quando se começa a cortar direitos por "exceções", a exceção vira regra. E a regra, então, é a autoridade, não a lei.